Estamos em plena Semana Santa, o momento alto da vida de qualquer cristão. Passámos pelo desprendimento, pelo deserto quaresmal, iremos chorar a morte e rezar o silêncio de Sexta-feira Santa para sentirmos a ausência de Sábado e cantarmos “Aleluia” no Sábado à noite e Domingo de Páscoa.
Todos os anos contemplo o mistério que é olhar o tabernáculo vazio. É algo desconcertante olhar para algo que “devia” estar ocupado; olhar para um espaço vazio onde reina a ausência de Deus. Aquela ausência física de Deus torna-se, tão facilmente, e na sociedade atual, uma ausência espiritual. Depressa cada um de nós se torna um tabernáculo vazio. É muitas vezes esta a oração que faço perante o vazio de Deus neste sábado. O próprio Deus esvazia-se de si próprio, da sua condição divina para se tornar o humano rejeitado por todos (Fl 2, 6-8). No entanto, são tantas as vezes em que permito que Deus se ausente de mim, em que provoco o próprio choro de Deus por permitir que Ele se ausente “verdadeiramente” da minha vida.
Nestes dias de Paixão, Deus ausenta-se do tabernáculo para a ele voltar como vinho e pão novo, como mistério de Salvação. A Igreja relembra esta ausência de forma muito visível, uma ausência da presença eucarística enquanto o próprio Deus desce à mansão dos mortos para resgatar o Ser Humano. Cristo com as suas feridas, com o Seu estandarte que é a Cruz morre para resgatar o Homem de si mesmo para lhe dar a verdadeira vida, a verdadeira salvação. O maior gesto de entrega é também acompanhado do maior grito de solidão. Preso àquela cruz, Cristo é apenas o humano, o seu rosto sofrido, o lado trespassado, a nudez perante o mundo. São essas as feridas e a nudez que o mundo apresenta, são essas as dores e nudez de um povo carregadas por um só homem. Apresenta-Se nu para revestir cada um de nós, para curar as feridas de cada um dos Seus filhos. Na escuridão da mansão dos mortos, Cristo é a luz que desperta o Homem do torpor em que este se encontra, das trevas provocadas pelo seu pecado. Chama cada um de nós pelo nosso nome, perscruta o coração de cada um para nos fazer reerguer, para nos libertar.
Contudo, por vezes, o meu coração é o próprio tabernáculo vazio, não tendo a consciência de quão vazia sou e estou quando não permito que Deus regresse e me salve. Aí deixamos de viver a Páscoa, ficamos presos em Sexta-feira, ficamos presos no silêncio e na solidão não respondendo ao desejo e grito amoroso de salvação de Cristo. Aí vivemos uma morte, a própria morte de Cristo, de forma vã. Nesses momentos tudo foi em vão: a Via Sacra iniciada com a entrada em Jerusalém que culminou no Monte Calvário de nada valeu a pena. Não nos deixamos resgatar, não nos deixamos purificar pelo sangue derramado. Aí, não se grita o “Aleluia” do Domingo de Páscoa.
Fica então o desafio para esta Páscoa: que olhemos o tabernáculo, olhemos e escutemos o nosso coração e percebamos em que medida não estamos apenas a ser espaços vazios. Lugares ausentes do verdadeiro Deus, ausentes do Deus Pascal e salvador.