“Somos asas sem penas quando começamos nesta aventura que é a vida. As penas são as mãos que os outros nos vão dando, os sorrisos que nos vão imprimindo, os segredos que decidem guardar em nós. Vamos revestindo as nossas asas com o que vamos recebendo e com o que ousamos dar. Começamos, quase sem ter consciência disso, a amar muito. A amar com tudo. Sem freios, sem boias de salvação, sem limites que nos protejam. Rezamos para conseguir amar mais e amar melhor. Transformamos os que amamos na nossa oração preferida e, justamente, mais querida. Deixamo-nos amar. Às vezes, se temos tempo e paciência. E fé. Sabemos perfeitamente qual o resultado do amor em excesso mas queremos lá saber. Amamos na mesma. Mais ainda. Começamos a perder-nos de nós. Começamos a visitar-nos menos. Falamos e já não é a nossa voz que ouvimos. Estamos diluídos na voz dos que nos pertencem, dos que queríamos que nos pertencessem. Os nossos lugares são pequenos demais para conter os lugares alheios. Mas quem diz que pensamos nisso? Amamos mais. Damos metade da vida, leiloamos a outra metade e hipotecamos três metades que não temos. Pelos que conhecemos e amamos, fazemos tudo. Fazemos tudo pelos que nos são tanto mas estamos impedidos de alcançar o mais importante. Estamos longe de conhecer quem amamos. Dedicamos uma vida inteira (e quantas mais tivéssemos) a quem nos merece. Tenho uma notícia para ti: ninguém te merece. Ninguém nos merece. Este amor que nos leva a parecer morcegos que a luz esmagou contra uma ou outra parede não se merece. É-se. Vamos avançando no caminho e descobrimos que estamos rodeados de desconhecidos.
Eu conheço-te bem! Conheço-te como ninguém!
Não fales assim, não pareces tu!
Já não te conheço. Não és quem eu pensava.
Somos ilhas imensas que, às vezes, ao espreguiçar alegrias ou tristezas se encontram com outras ilhas. Conhecemos apenas as pontas que os outros soltam. Que os outros deixam ver. Guiamo-nos por uma expectativa deliciosa que é capaz de transformar a escuridão mais negra na luz mais apetecível. O que conhecemos dos outros não chega para não nos desiludirmos. E ainda bem. Se eu te conhecesse. Se eu te conhecesse não te amava!”
Marta Arrais