Este é o grande anúncio que o Papa Francisco faz aos jovens na sua exortação apostólica pós-sinodal “Cristo vive”. Num estilo poliédrico, informal, concreto, cheio de energia e com exemplos pessoais, o Papa Francisco recorda algumas convicções da nossa fé e procura dar alento aos jovens para crescer na santidade e no compromisso com a própria vocação (n.3). Ao longo de nove capítulos e 299 números, o Papa assume as propostas mais significativas do percurso sinodal sobre «os jovens, a fé e o discernimento vocacional».
No primeiro capítulo são apresentados vários personagens jovens do antigo e do novo Testamento, não de forma exaustiva, mas para salientar alguns aspetos das suas vidas que interessam aos jovens de hoje.
No segundo capítulo a juventude ganha rosto em Jesus e no seu crescimento para assumir a missão confiada pelo Pai. Francisco apresenta Jesus como um jovem normal, inserido numa família e num povo a caminho (“caravana de peregrinos”). E desafia a Igreja a voltar “ao essencial do primeiro amor” (n.34) para refletir sempre mais a pessoa de Jesus, de modo a recuperar a sua juventude, a sua autenticidade e a sua credibilidade abalada pelos escândalos dos abusos sexuais e económicos. A Igreja, quando é autêntica e fiel à sua missão, gera frutos de santidade como são os 12 jovens santos que foram autênticos profetas da mudança.
O capítulo terceiro considera a “pluralidade dos mundos juvenis” e as suas vidas concretas como o agora e o presente de Deus que pedem empatia e escuta atenta. Os contextos de crise em que vivem os jovens pedem uma Igreja que seja “uma mãe que chora” com os dramas, feridas e procuras dos jovens. Em particular o ambiente digital, o paradigma das migrações e os abusos clericalistas são desafios que exigem um exame das comunidades para discernir os caminhos mais adequados (n.103). Deixando-se inquietar pela realidade, o Papa desafia os jovens a “ser mais”, a considerar a santidade como originalidade, a renovar o encontro com Cristo e a dar ao mundo aquele contributo que só cada um pode dar.
O grande anúncio
O capítulo quarto é o centro da exortação. Falando diretamente aos jovens e tratando-os por “tu”, Francisco expõe com energia e entusiasmo o anúncio fundamental (kerygma) em três verdades: Deus ama-te!; Cristo entregou-se por amor para te salvar; Cristo vive! Nestas três verdades, o Papa mostra como cada jovem é valioso e amado por Deus; convida a contemplar a cruz e deixar-se abraçar por Cristo que nos levanta das quedas; a contemplar “Jesus feliz” e ressuscitado e não como uma personagem do passado. Esta é a experiência fundamental da vida cristã de um jovem e que pode ser comunicada a outros jovens (n.129), deixando-se amar e salvar por Jesus, a travar amizade com Ele, conversando das coisas concretas da vida.
O quinto capítulo é consequência direta do anterior. Francisco oferece pontos de reflexão para alimentar a meditação espiritual e existencial do leitor, como quem dá os Exercícios Espirituais e não como um tratado académico. Do encontro com Cristo e da inquietação provocada pela realidade, o Papa desafia os jovens a “voar com os pés” (n.146), a arriscar viver plenamente na amizade com Jesus e na construção da amizade social, de modo a serem os protagonistas da mudança que o mundo precisa.
Para construir esse futuro – diz-nos o capítulo sexto – os jovens precisam de raízes, de estar agarrados à terra, para não se deixarem levar por ideologias que anulam a memória. Desta forma, em vez do confronto de gerações, é urgente o diálogo e a colaboração entre mais novos e mais velhos. São as profecias dos jovens e os sonhos dos mais velhos que podem transformar o mundo.
Pastoral juvenil popular e sinodal
O Papa Francisco, no capítulo sétimo, apresenta duas grandes linhas para a renovação da pastoral juvenil: a busca que leva à procura dos jovens para os atrair ao encontro com Cristo; e o crescimento e amadurecimento desse encontro no amor fraterno, na vida comunitária e no serviço. Desta forma, pretende-se uma pastoral juvenil popular, inclusiva, acessível e todos, que estimule as lideranças naturais entre os jovens e o bem possível, assente no modelo dos discípulos de Emaús (escutar, reconhecer, anúncio da Palavra, interpretar, escolher o caminho).
A pastoral juvenil deve ser sempre missionária e em continuidade natural com a pastoral familiar, com pessoas preparadas e qualificadas para acompanhar os jovens, deixando-os serem protagonistas do seu caminho, respeitando a sua liberdade e oferecendo ferramentas para o processo de discernimento (n.246).
Vocação e discernimento: modelo da amizade com Jesus
O capítulo oitavo apresenta a vocação em sentido lato como chamamento de Deus à vida, à amizade com Ele e à santidade (n.248); e em sentido preciso como chamamento ao serviço missionário dos outros (n.253). Toda a pastoral, formação ou espiritualidade deve ser vocacional para fazer da vida uma oferenda em ordem ao serviço, extraindo do jovem o melhor de si para glória de Deus e para bem dos outros. A família e o trabalho são caminhos de realização dos sonhos para cada jovem dar-se e dar o seu contributo ao mundo.
Para realizar o discernimento há necessidade de espaços e tempos de silêncio para fazer perguntas a si mesmo e a Deus (n.285) como quem escuta um amigo. Tendo como referência o discernimento em geral abordado na Gaudete et exsultate, o Papa Francisco foca-se na ajuda que se pode dar a alguém que está em discernimento. Para isso são necessárias três sensibilidades complementares: atenção à pessoa com o tempo necessário e escuta; atenção ao discernimento entre graça e tentação; escutar os impulsos “para a frente” para perceber até onde o outro quer ir e qual é a intenção última. Estas três sensibilidades realizam o modelo de discernimento de amizade (n.277) que o Papa propõe aos jovens como caminho de liberdade, que faz aflorar esse carácter único de cada pessoa que só Deus conhece (n.295).
Esta é realmente uma grande lição que Francisco oferece aos jovens de hoje: ajudá-los a reconhecer que o seu destino e o do mundo está nas suas mãos e que o seu compromisso, à luz da fé, torna-se vocação e missão (A. Spadaro). Por isso, os jovens fazem falta para fazer avançar a Igreja com as suas inquietações e entusiasmo. Ao terminar, pede humildemente o Papa, que os jovens tenham paciência para esperar por quem caminha mais devagar.