A gente pelos amigos faz muita coisa. Há uns tempos, alguns amigos pediram-me para vir aqui falar-vos da minha amizade com Cristo. E eu venho, só porque é muito difícil dizer que não aos amigos.
Será que eu sou amigo de Cristo? Bem! Ele há problemas!
Em primeiro lugar, é difícil ser amigo de alguém que não se vê. Se eu não vejo Cristo, como posso ser amigo d’Ele? Eu estou habituado a ver os meus amigos.
Ele, pelo seu lado, diz que é o mais conhecível de todos os seres. Eu só não o consigo ver por causa da minha natureza e do meu pecado. Ele diz que é como o mar para os peixes. Nós, da praia, vemos o mar, mas os peixes nunca viram o mar. Os peixes nunca viram o mar. Os peixes, que vivem mergulhados no mar, não o podem ver apesar de o mar ser tão visível. Assim somos nós com Cristo. Nós vivemos mergulhados em Cristo, é por isso que nunca O conseguiremos ver.
Além disso Cristo diz que, por causa disso mesmo, e para facilitar a nossa amizade, veio fazer-se homem. O mar tornou-se peixe, no meio dos peixes do mar.
Mas eu pergunto, como é que é possível eu ser amigo de alguém que viveu há tanto tempo? Não se pode visitar ou passear com alguém que viveu há dois mil anos. Os meus amigos são todos muito mais novos!
E Ele diz que morreu há dois mil anos, mas depois ressuscitou e está vivo e não morto. Está mais vivo que todos os meus amigos. E, mais, que se fez fisicamente presente e visível no altar e no sacrário.
Aí eu respondo que falar com uma caixa, como o sacrário, não é fácil. Não é fácil ser amigo de alguém que está dentro de uma caixa.
Mas Ele responde que eu não tenho qualquer dificuldade em falar para um telefone, que é uma caixa, ou em falar a amigos pela Internet. O sacrário é a mais antiga Internet do mundo.
Assim, nós resolvemos os problemas mais “técnicos” da nossa amizade. Mas terminados estes, aparecem outros. É que Cristo é Deus, o Senhor do universo. Como é possível que eu seja amigo de alguém que é Deus? Há um abismo entre nós. A distância que nos separa é maior do que aquela que separa um cão do dono.
Esta comparação, da distância entre mim e Cristo com a distância que vai de um cão ao dono é má. A distância entre nós é infinitamente maior que a que vai entre um cão e o dono.
Mas esta é a maior distância onde eu ainda consigo conceber uma amizade. Ninguém consegue ser amigo de um caracol.
Mas a comparação até não é assim tão má. Realmente, a minha amizade com Cristo é assim como a de um cão para o dono. Eu sou um cão de Deus. Como um cão anseia por brincar com o dono, assim sou eu com Cristo. E Ele ensina-me e puxa por mim.
E até nas minhas asneiras, eu me porto como um cão. O cão, faz coisas de cão, que muitas vezes se põem e atrapalham o caminho da amizade. Assim sou eu com Cristo.
São três os tipos de pecados que eu cometo, que dificultam a nossa amizade. Primeiro, eu faço frequentemente aquilo que os cães bem comportados não fazem, como molhar o tapete ou rasgar as cortinas: são os pecados de paixão ou de fragilidade. Depois, muitas vezes estou sem atenção, e estorvo o dono com os meus pulos, quando o devia ajudar: são os pecados de ignorância. Finalmente, os piores, são quando chego a rosnar e a morder a mão do dono porque não quero ir para onde ele me leva: são pecados de malícia. Pecados de paixão, de ignorância e de malícia são os obstáculos que também fazem parte da nossa amizade. (S.Tomás de Aquino, Summa Teológica, I-II, 78,1)
Há, no entanto, ainda uma última questão na nossa amizade. Cristo fez-se homem, para ser nosso amigo. Mas não é fácil ser amigo de alguém tão importante. Não é fácil, ser amigo do Papa ou do Primeiro-Ministro. Temos admiração e respeito por eles, mas não somos “amigos”.
Mas Ele diz que se eu ficar empanado no carro, no meio da estrada com o Papa, ou se tiver de fazer um trabalho de grupo da universidade, daqueles difíceis, com ele, naturalmente ficamos amigos. Cristo é, realmente uma pessoa muito importante, com quem se faz cerimónia. Mas nós os dois somos amigos, porque Ele esteve sempre ali.
Esteve comigo em todos os sarilhos em que eu me meti (e alguns em que Ele me meteu!). E foi desses sarilhos que nasceu a nossa amizade. Ao princípio eu não notava. Hoje, eu já noto a sua presença e, sobretudo o seu enorme sentido de humor.
E acho que somos amigos. Quando eu não notava, quem primeiro me falou d’Ele foram alguns amigos meus. Amigos meus e d’Ele, desta Igreja, que agrega apenas os Seus amigos, que notaram que Ele está aqui.
Por isso, eu acho que Cristo e eu somos amigos só por causa dos muitos sarilhos em que nos metemos juntos. Agora, por exemplo, nós os dois temos uma pequena sociedade, uma indústria de dar aulas, fazer conferências e escrever artigos. A divisão de tarefas nessa empresa que tenho com Cristo é simples: Ele faz, eu estrago e depois dividimos os resultados. E lá vamos vivendo.
Há uns tempos, alguns amigos pediram-me para vos vir aqui falar da minha amizade com Cristo. Por causa disso, eu tenho andado há dois meses a pensar na minha amizade com Cristo, e a perguntar a Cristo se Ele e eu somos amigos. É por isso que eu gostava de agradecer aos meus amigos que me pediram para vos vir aqui hoje falar da minha amizade com Cristo.