“Uma história oriental conta de uma árvore solitária que se avistava no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados, toda a montanha estivera coberta de árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores, uma a uma, cortaram e venderam. Mas aquela árvore era torta, não podia ser transformada em tábuas… Sendo inútil aos propósitos deles, os lenhadores deixaram-na ali. Depois, vieram os caçadores de essências em busca de madeiras perfumadas, mas a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e, mais uma vez, deixada ali. Por ser inútil, sobreviveu. Hoje, está sozinha na montanha, avista-se ao longe naquele alto, e os viajantes suspiram por sentar-se à sua sombra.
Um amigo é como aquela árvore: vive da sua inutilidade. A sua espiritualidade tem também de ser inútil, para ser mais do que um momento, mais do que uma necessidade, para persistir, para acolher a dança do eterno. Não é raro que a necessidade envenene a nossa relação com Deus. Ora, o amigo não é o necessário: é o eleito, o gratuito. Com razão dizemos: «Um amigo é um irmão que escolhemos.» Eu escolho, eu sinto-me escolhido: trânsito do gratuito sem porquês.
Um amigo é como aquela árvore. Pode até ser útil, mas não é isso que o torna um amigo. A sua inútil e fiel presença na nossa vida torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo, sabemos que não estamos sós. Isso que se lê no passo inesquecível do profeta Isaías: «Não temas, porque Eu te redimi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá contra ti… Não temas, pois, porque qestou contigo» (Is 43, 1-2.5)
Pensemos, então, na relação com Deus como uma relação de amizade. Pensemos naquilo que a experiência de amizade traz de iluminante para estruturar a nossa relação com Deus: a aceitação do outro, o reconhecimento sereno dos limites, a diferenciação, a ausência de domínio, a liberdade, a gratuitidade, a pura contemplação, o não reter, a percepção de que o outro é passagem na minha vida e passagem que, por dentro, me fecunda. Os amigos estão interessados no concreto, no pormenor, na pequena escala, no relato simples, no inútil aparente, no correr indiferenciado do tempo, na espuma dos dias. Recorrendo a uma bela expressão de Walter Benjamim, os amigos sabem que cada segundo que passa é a pequena porta pela qual pode entrar o Messias.”
in Nenhum Caminho será Longo, Pe. José Tolentino Mendonça, 4ª edição, outubro de 2012, Águeda, Paulinas editora