Nos passados dia 2 e 3 de maio, Tomáš Halík veio até Portugal para proferir uma série de conferências a fim de apresentar o seu livro mais recente Quero que tu sejas!
Começando por Braga proferiu “Porque me abandonaste?”, a interpelação de Jesus na cruz que só pode ser dirigida a Deus e à qual só Deus pode responder: uma resposta que é dada dias depois na Ressurreição. Também é assim nas nossas vidas, Deus aproxima-se de cada um de nós, não com as respostas que pretendemos ouvir, mas com a pergunta “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?”(Salmo 21) ‘Qual o objetivo para me teres abandonado?’. Uma pergunta feita pelo crucificado, uma oração representativa não só dos sofrimentos, mas também da esperança do Salvador. Mas esta é também a pergunta que Deus, tantas vezes, no dirige. Contudo, e como afirma o autor, “o objetivo desta pergunta não se remete para o passado, mas sim para o futuro”. O futuro que é expresso e transformado na ressurreição, no regresso à vida terrestre.
Este regresso é feito de forma “oculta”, um Cristo que regressa até nós de forma não revelada porque ainda não estamos prontos para reconhecer o Seu Amor. Torna-se assim desconhecido enquanto caminhante, caminhante este que não pode ser detido na Sua viagem até ao Pai. Pelo caminho encontra dois discípulos, dois homens entristecidos e com o olhar enublado pela tristeza. Será apenas no partir do pão, nas suas chagas e pela Sua voz que O irão reconhecer, que irão reconhecer o Seu Amor, a Sua identidade.
Halík refere Santo Agostinho “Se pensas que sabes algo então podes ter a certeza absoluta que não é Deus”. Se pensamos que não precisamos mais de procurar Deus, então com certeza ainda não, e não O iremos, encontrar. Observamos, e é-nos chamada a atenção para isso, que não (re)conhecemos Deus não porque Ele está demasiado longe, mas porque está demasiado perto de nós, de forma demasiado concreta nas nossas vidas.
É realmente no nosso concreto, no concreto das nossas perguntas que Deus existe, que o Amor faz sentido. É o acreditarmos que a resposta à pergunta “Porque me abandonaste” é também a resposta para a nossa salvação.
Viajando de Braga até Coimbra
O Cristianismo depois do seu meio-dia foi o tema abordado por Tomáš Halík na capelania da Universidade de Coimbra, no passado dia 3 de Maio. Para o teólogo, quando se fala de meio-dia não se fala da existência da manhã, de um meio-dia e de uma inevitável tarde e fim. Quer antes dizer que acabou a juventude, uma dimensão da construção da personalidade. Com a chegada do meio-dia surgem a fadiga e as crises que podem despoletar num síndrome de esgotamento ou numa oportunidade de redefinir a rota, para cuidar do entardecer. É claramente uma oportunidade de diálogo e crescimento, também entre os conservadores e os que pretendem mudar tudo na Igreja. O perigo – alerta – é ambos estarem centrados na manhã, preocupados com as estruturas, e negligenciarem a estrutura interna que procura o aprofundamento pessoal, não como um escape para o paraíso do coração, mas para o aprofundamento tanto pelo fogo purificador como pelo fogo renovador da mudança.
É necessário e urgente uma abertura ao mistério de Deus! Porque Deus é mistério. Não se pode esperar respostas simples a perguntas complexas. É tempo de nos encontrarmos com o intangível de Deus, o Seu escondimento, a Sua transcendência, com a Sua iminência e proximidade.
Esta via de amadurecimento que também incluí um vale de silêncio de Deus, ao contrário dos fornecedores de certezas, vai avançando lentamente. E nos dias de hoje, numa sociedade secularizada, sedenta de respostas rápidas e simples, podemos, tal como Teresa de Lisieux, encontrar no silêncio de Deus uma solidariedade para com os não crentes. Pois, tal como a fé, o ateísmo não é isento de dor, partilha da mesma profunda essência, não lhes faltando nada do que é parte da condição humana, incluindo a noite.
A fé não espera respostas nem certezas simples para perguntas complexas. Há que ter paciência com Deus! É necessária uma Nova Evangelização, realmente nova!, para passar o torpor do meio-dia do cristianismo da Europa. E não nos podemos esquecer que estamos perante o mistério. É evidente que temos uma comunicação com Deus através do estudo, da Igreja, dos sacramentos, mas temos de ter a nossa comunicação pessoal. E tal como na vida, podem existir crises. É necessário um processo de maturação… vislumbrar as crises como uma oportunidade de questionamento e crescimento. Não podemos falar só sobre a harmonia da natureza e o sorriso, também temos de ter em conta as experiências negativas, para podermos ter uma boa experiência e relação com Deus.
Tomáš lembrou que Pascal defendia que na penumbra existe luz suficiente para os que querem ver e escuridão suficiente para os que não querem. Nós, a Igreja, vivemos num tempo em que temos de decidir qual vai ser a nossa situação. Esta experiência de ambivalência que o mundo vivencia não é fácil, trata-se de um exercício para a nossa liberdade de escolha, o nosso livre arbítrio. Recordando que a fé não é uma herança estática que recebemos, é algo dinâmico, trata-se de uma escolha (na escuridão).
Acérrimo no diálogo entre crentes e não crentes, Tomáš Halík exorta que, à semelhança do que diz Jesus no Evangelho – “Quem não é contra nós é por nós.” (Mc 9,40) – a Igreja tem de procurar trazer os que estão fora para dentro. Porque quem está fora não tem nada contra nós. Às vezes temos muito mais em comum, que devemos aproveitar!
“Tenho interpretado uma e outra vez a incredulidade da nossa época como uma «noite escura coletiva da alma», como o momento do «eclipse de Deus» de Sexta-feira Santa, que os não-crentes podem interpretar como a «morte de Deus», ao passo que os crentes a consideram a passagem necessária para a manhã da Páscoa.” (Tomáš Halík in Quero que Tu sejas!)