Naquela terça-feira António começou a manhã, como habitualmente, com uma visita à igreja. Aí, como de costume, ofereceu ao Senhor o dia e pediu que toda a sua vida e todas as suas actividades fossem para maior glória de Deus e salvação dos irmãos. Então, António teve uma visão extraordinária. De repente viu um anjo, sorrindo e flutuando à sua frente. O anjo disse: “António, todos os dias te ofereces como servo de Deus. Desejas mesmo que a tua vida seja orientada para o que o Senhor quiser? Queres dedicar-te com todas as tuas forças à missão que Deus te entregou?”
António estava demasiado prostrado para conseguir falar ou mexer-se. Mas, no seu íntimo, concordou entusiasticamente. O anjo continuou: “Esta missão que o Senhor te confia, o alargamento do Reino de Deus neste mundo, é difícil, mas as tuas foças não te abandonarão. Sê fiel, prudente, justo e corajoso. Nunca percas a esperança e o equilíbrio. Ama sempre.”
O anjo desapareceu, tão rapidamente como tinha aparecido. António demorou algum tempo a recuperar o fôlego. Ninguém na igreja parecia ter reparado. A pouco e pouco foi realizando o que se passara. Ele tinha sido escolhido por Deus para uma missão. Ficou radiante. Com alegria e emoção, levantou-se e saiu. Tinha de iniciar a sua missão. Estava tão entusiasmado que andou sem ver ninguém, nem saber para onde ia.
Reparou então que entrava no edifício do emprego. Tinha automaticamente seguido o caminho de todos os dias. Ao entrar no gabinete, viu em cima da mesa os papéis em que estivera a trabalhar na sexta-feira anterior. Eram a preparação de um empréstimo obrigacionista para a empresa. Na gaveta estava o relatório incompleto que interrompera por causa da urgência do empréstimo. Essas coisas agora pareciam-lhe mesquinhas e sem importância. Tinha uma missão que lhe fora entregue por Deus. Devia dedicar-se “ao alargamento do Seu Reino neste mundo”, como dissera o anjo. Não tinha tempo para tratar de empréstimos ou relatórios. Agora isso não interessava nada.
Tinha muito entusiasmo mas, para se empenhar na missão, era preciso conhecê-la. Que fazer para isso? Pensou em reler a vida dos santos que tinham tido visões semelhantes à sua. Lembrou-se de São Paulo, São Francisco de Assis e dos pastorinhos de Fátima. Mas depois achou melhor ocupar-se a conhecer o mundo a que se ia dedicar. Decidiu ler os jornais.
Foi interrompido por vários telefonemas. Quando estava a acabar a leitura, sem resultados, bateram à porta do gabinete. Era o colega que entrara há pouco tempo na empresa e não conhecia ainda os cantos à casa. Como era muito tímido, não se desembaraçava bem, o que começava a irritar o chefe. Vinha mais uma vez pedir ajuda para um trabalho. António lá o orientou um pouco, como de costume. Mas só o conseguiu despachar ao fim de meia-hora. Começou a perceber que no escritório não iria conseguir dedicar-se à sua missão.
Eram horas de almoço, mas não se preocupou. Um jejum ajudá-lo-ia a purificar-se. Depois de ter reflectido um pouco, ligou o computador à Internet, e procurou informações que o ajudassem na missão de espalhar o Reino de Deus pelo mundo. gastou várias horas em múltiplas buscas, sem no entanto encontrar nada que lhe desse uma ideia clara sobre o que deveria fazer.
A meio da tarde começou a sentir-se cansado e desanimado. Após horas de trabalho e de interrupções, continuava sem saber qual era, afinal, a sua missão. Estava cada vez mais confuso. Foi então que teve uma ideia luminosa. Naturalmente, era em casa que estavam as indicações de que precisava para a missão. Sem perder tempo, levantou-se, vestiu o casaco e saiu do escritório. À porta sentiu que talvez nunca mais voltasse àquele local onde trabalhara tantos anos. Mas a saudade ainda lhe reforçou mais a sua determinação em se dedicar à tarefa.
Os filhos e a mulher ficaram surpreendidos por o verem chegar tão cedo a casa. Ele não explicou e perguntou se tinha havido telefonemas ou mensagens. Disseram-lhe que não. Ficou confuso. Sentou-se no sofá a pensar. Claro que não conseguiu, porque a rotina da família caiu-lhe em cima. A filha mais velha tinha dificuldades nos trabalhos de casa, e os mais pequeninos queriam brincar com o pai. A mulher perguntava-lhe o que se passava. Ele não quis dizer nada. Como descrever o que se dera com ele?
Levantou-se então para sair. A mulher disse que ia servir o jantar, mas ele deu uma desculpa e correu para a rua. Voltou à igreja e pediu resposta para apenas uma pequena pergunta.
Apareceu de novo o anjo. Desta vez, tinha cara séria. António, sem mexer os lábios, perguntou-lhe: “Senhor, diz-me quando começa a missão. Falta muito?”
O anjo respondeu tristemente: “Já começou há tempos. E devo dizer-te que não te estás a sair muito bem. O trabalho que tinhas hoje era muito importante. E ficou por fazer.” António estava perplexo. O pior dos seus medos concretizava-se. Como não sabia o que fazer, tinha perdido tempo e comprometido a missão. Maldisse interiormente a sua azelhice.
Então, o anjo explicou: “O empréstimo é essencial para a tua empresa, tal como o relatório. Deles depende o emprego de muitas pessoas. Por que razão os desprezaste? Achas que o Senhor do universo não é Senhor das empresas e das taxas de juro? Se não fores tu, quem pensas que pode ali representar o Senhor? Deus também conta contigo para ajudares aquele teu colega tímido. O Senhor ama-o muito. Não o despaches rapidamente. Ele precisa muito de ti.
“Procuraste a missão nos jornais e na Internet e nem pensaste em ir à tua paróquia! Além disso, à saída do escritório, ias tão embrenhado que te esquecestes de dar a esmola do costume à mulherzinha que pede na esquina. O Senhor preocupa-Se muito com ela e conta contigo para a ajudares. Ela também faz parte da tua missão.
“Mas o mais importante, a parte central da missão, são a tua mulher e os teus filhos. O Senhor ama-os muito. Por isso, desde toda a eternidade, tos confiou, para que tu os acompanhes em tudo. Nos trabalhos de casa, nas brincadeiras, na conversa, a pôr a mesa. Eu disse-te que esta missão de construir o Reino de Deus era difícil. Mas é também muito importante e as tuas forças não te abandonarão. Sê fiel, prudente, justo e corajoso. Nunca percas a esperança e o equilíbrio. Ama sempre.” O anjo desapareceu.
António levantou-se e voltou para casa. Foi jantar em nome do Senhor do universo.